O Brasil é um país imerso na escuridão, no obscurantismo e na esquizofrenia política coletiva. Mas isso não é novo! À luz da história e da sociologia, esta pátria escravagista revela-se em constante flerte com golpes de estado – agora jurídico-parlamentar, como em 2016, outrora militar, como em 1964 –, conspirações contra um “inimigo” comunista, postura subalterna frente aos países dominantes e ataque sistemático às ciências e universidades. Sim, caro leitor, 1964 foi golpe! 2016, é golpe! A menos que você seja um discípulo olavista, apreciador da estupidez travestida de intelectualidade de Leonardo Narloch [1], negar os dois golpes de estado mais recentes indica desonestidade intelectual ou ignorância dos ventos da história brasileira. O último caso é perdoável. Mas a desonestidade, geralmente impressa em narrativas pseudocientíficas, tem inumeráveis consequências e não pode ser tolerada. Paciência com os analfabetos! Enfrentamento aos desonestos!
O filósofo, que não é filósofo, que é um mentiroso, indica ministro em um governo que despreza a ciência, as artes e o conhecimento. O mesmo “filósofo” questiona o heliocentrismo[2] e tem milhões de acesso no Youtube. Não importam os argumentos: o que conta é a “elegância” da mentira, o populismo escroto e ódio aos conhecimentos ( ainda que estes que gozem de relativo consenso nas comunidades de pesquisa). Mas, pasme, caro leitor: o mentiroso em questão, oferece cursos de “filosofia” na internet e tem 985 mil inscritos em seu canal no Youtube – além de responder à dezenas de processos por difamação e calúnia.
Parece um pesadelo. Mas não é. É real. São 72 mil mortes,no Brasil, naquela que já é pior crise sanitária mundial do século XXI . No entanto, afirma o presidente, em um passado tão presente: é uma gripezinha![3] Isso tá batido, é chato ficar repetindo – dirá o leitor, cansado de tantas mentiras. Mas não pode ser esquecido. O presidente não pode ser porta-voz da burrice, sob risco da barbárie, incorrendo em sério desacordo com a ética que o carga máximo do executivo nacional exige. Definitivamente, O Messias jamais deveria ter sido eleito…”culpa do PT”, diria o velho ignorante – aliás, nada mais reducionista, simplista e anticientífico do que essa afirmação. É preciso leitura, pesquisa séria, ampliação de olhares. Reduzir o drama social e político do Brasil ao petismo é coisa de gente desonesta e/ou mal (in)formada. Posso até aceitar, como opinião. No entanto, caro leitor, devo dizer: trata-se de uma narrativa mentirosa e propositalmente construída para te fazer de tolo. E você não é tolo![4].
O ex-ministro Weintraub, adepto do olavismo, do obscurantismo e da burrice, disse que universidades federais plantam maconha[5]. Dito assim, parece que as universidades federais do Brasil são verdadeiras fornecedoras da erva para o narcotráfico. Isso é mentira e, em um país sério, este senhor deveria responder a um processo administrativo – no mímino . Desafio o leitor a provar que o ministro tem razão. Você não vai conseguir: sabe por quê? Porque isso não corresponde à verdade. As universidades brasileiras tem muitos problemas. Mas a maconha, definitivamente, não compõe o rol de problemas. Faltam investimentos, faltam professores, faltam laboratórios e, ainda assim, 95% da pesquisa científica no do Brasil é feita nas universidades públicas[6]. São as universidades públicas, através da formação de quadro espacializado de profissionais, que estão nos ajudando a enfrentar o drama da pandemia do novo coronavírus.
Como é possível que o “ministro” da Educação seja capaz de atacar a ciência e agir de forma tão leviana e desonesta? Evidentemente, um questionamento dessa natureza não se responde adequadamente em um breve texto. Mas não podemos desconsiderar a natureza do (des)governo nazi-fascistóide que ocupa o Planalto: negar o conhecimento, nos lembra Umberto Eco, é uma das características do fascismo. Ou seja, eles não são tão burros. Alguns, são, sim, burros. Mas, antes de tudo, são cínicos, sádicos, perversos, canalhas. A suposta burrice é parte de um projeto político genocida, meticulosamente orquestrado. O Brasil, não nos restam dúvidas, está à beira de uma hecatombe social. A combinação de fanatismo político, negacionismo científico e extremismo religioso é a receita para uma desgraça sem precedentes. Em qual país, em plena crise sanitária de covid-19, existe um governo que aparelha o ministério da saúde com militares que não entendem nada de saúde pública? Em qual país, quando se mais precisa da pesquisa científica, o governo ataca de morte as universidades e institutos de pesquisa? Existe esse país?
Infelizmente, caro leitor, este país existe, e caminha para o caos. O fundo do poço ainda não foi atingido. O fundo do poço, acredite, não é pior lugar. Em consciência, no fundo do poço, a gente pode pensar estratégias para subir à superfície. Sem ciência, sem consciência e sem presidência, em queda, sem ter ideia da profundidade do poço, somos uma nação agonizante, quiçá, imersa numa tragédia sem fim. No poço, os que estão em cima não escutam os de baixo. Em queda interminável, eis a forma como me sinto nesse país de abutres e fascistóides no poder!
[1]QUEM DISSE QUE ZUMBI TINHA ESCRAVOS? Meteoro Brasil. Disponível em: < https://youtu.be/FxWEpbVAJbk> . Acesso em: 14/07/2020.
[2] Olavo de Carvalho: A terra não se move e Einstein é fanfarrão. Vem pra K pra tu vê. Disponível em: https://youtu.be/cV48LjgPXFk. Acesso em: 15/07/2020.
[3] Em cadeia de TV, Bolsonaro minimiza coronavírus para insuflar base radical. Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2020-03-25/em-cadeia-de-tv-bolsonaro-minimiza-coronavirus-para-insuflar-base-radical.html. Acesso em 15/07/2020.
[4] Mais uma vez, eu recomendo: SOUZA, J. A elite do atraso: da escravidão à Lava Jato. Rio de Janeiro: Leya, 2017.
[5] Ministro da Educação diz que universidades federais plantam maconha. Disponível em: < https://exame.com/brasil/ministro-da-educacao-diz-que-universidades-federais-plantam-maconha/> . Acesso em: 15/07/2020. Vale destacar que o cultivo de maconha em uma instituição de pesquisa pode se justificar por interesse de pesquisa acerca propriedades terapêuticas da planta.
[6] Universidades públicas realizam mais de 95% da ciência no Brasil. Disponível em: https://www.unifesp.br/noticias-anteriores/item/3799-universidades-publicas-realizam-mais-de-95-da-ciencia-no-brasil. Acesso em: 15/07/2020.